O lado do Lobo

Aqueles que conhecem o trabalho de entrevistadores como a brasileira Marília Gabriela devem facilmente compreender porque é que não sou um fã entusiasta de Ana Sousa Dias, nem do seu programa na 2:, "Por Outro Lado". A mulher é tranquila demais para o meu gosto (embora talvez seja a melhor opção para não afugentar os entrevistados portugueses), falta-lhe aquele ímpeto da descoberta humana, aquela chama que incendeia a conversa e aquece o espírito dos acomodados. Reconheço, claro, que é uma excelente profissional - documenta-se bem, vê-se que não anda ali a nadar em indícios e bate aos pontos a Bárbara Guimarães - mas é muito tia para o meu gosto. Falta-lhe o sangue na guelra e a capacidade de agarrar o espectador pelos colarinhos e partir com ele à descoberta do convidado.
Mas desta vez não resisti ao programa. Fiquei ali, em frente ao televisor, a observar Ana Sousa Dias no seu passo de soft-jogging embrulhada na tentativa de domar o homem que tem a fama de ser um dos mais difíceis entrevistados deste país, se não for mesmo o mais indomável e incontrolável deles todos, António Lobo Antunes.
E que luta, meus amigos, que luta aquela!
De um lado, a jornalista, o rosto que mostra ser apanhado de surpresa,os olhos que procuram saídas, o gaguejar aqui e ali de quem hesita entre um gancho no queixo ou um direito na face, a vontade de estar ali mas de mandar o homem embora, de ir até ao fundo ou ao fundo possível.
Do outro lado da mesa, o escritor que irrita os escritores deste país, o psiquiatra que come intelectuais ao pequeno-almoço, escondido atrás das mãos, aborrecido por ali estar, a contragosto, fora do seu habitat, mas disposto à luta, pronto a responder e mais pronto ainda a ouvir, sem paciência para coisas corriqueiras e fora do seu espectro mínimo de interesse.

No final, um empate. Nem a entrevistadora visitou todos os quartos nem a casa se fechou, fomos até onde nos deixaram ir mas espreitámos todos os corredores.

O homem realmente não é fácil, mas também não é um homem comum. Um homem que agradece aos pais não lhe terem dado amor suficiente nunca é um homem comum.
No fim do programa, várias frases de Lobo Antunes ficam por aqui a flutuar como ideias que se recusam a acalmar. E momentos únicos como, por exemplo, quando a Ana lhe pergunta quais os escritores portugueses favoritos e ele responde que no planeta inteiro só há meia dúzia de escritores a sério, romancistas. E, confrontado com recentes fenómenos literários de vendas, ele responde que está "farto de ouvir gente a dizer que pôs o país a ler" (Margarida Rebelo Pinto, onde estás?), uma vez que, no máximo, "o que esses escritores conseguiram foi pôr o país a lê-los a eles". E que não acredita que "quem está habituado a ler maus livros passe de repente a ler bons livros".
Mas há mais: antes de aprenderem a escrever, "as pessoas deviam era aprender a ler. As pessoas não sabem ler, ler é um acto criativo e é muito mais difícil do que se julga"...

Pois.

2 comentários:

João Pires disse...

Pois pois

MarioG disse...

Também me aconteceu o mesmo. Foi o unico programa que consegui ver do principio ao fim. E também digo...pois!! E isto de se beber água numa caneca lembrou a quem? :-)