o canto curto de um conto
As teclas do piano flutuavam da outra divisão da casa até esta, onde estávamos, e pousavam nos livros e nas fotos e escorregavam pela cortina e por aquela estátua ali no canto, lembro-me bem.
Sei que falavas de capítulos e autores, mas no fundo não te ouvia, porque eu na verdade não estava ali sentado no sofá como julgavas que eu estava, eu estava sim a flutuar no movimento dos teus lábios, estava no ar a um centímetro de ti, no ar que envolvia o balançar dos teus cabelos e a coreografia das tuas mãos, dos teus braços, das tuas ancas. Eu parecia estar no sofá mas estava embalado nos teus olhos e em cada polegada quadrada de pele que a tua roupa deixava escapar, ali no pescoço, ali nos ombros, ali na cintura.
O meu corpo a afundar-se no sofá e eu solto pela tua casa, solto atrás de ti por onde fosses, solto a cheirar o perfume dos teus poros e a dançar ao som do piano que tinhas posto a tocar e que parecia acompanhar de propósito cada sustenido das sílabas que me ias largando pela conversa.
Quando finalmente vieste sentar a meu lado optei por prender a respiração para não me denunciar.
O piano, do outro lado, pareceu sair do cd para se sentar também a teu lado.
Aproximei-me de ti como quem se aproxima de uma libélula e o teu corpo tocou, todo ele, na minha mão, e foi nesse preciso momento que o planeta deixou de girar no seu próprio eixo.
E senti os teus lábios, o teu calor, o teu respirar e os teus cabelos abraçaram-me e os teus braços encontraram-me e as minhas mãos perderam-se na tua pele nas tuas costas nas tuas pernas no teu aroma no teu paladar e o tempo abrandou e o piano espalhou as suas notas por toda a sala como se fossem pétalas e pensei por momentos que estávamos os dois suspensos no éter e senti que estávamos mesmo e as nossas peles partiram em busca de um novo significado para a palavra tesouro e os nossos corpos partiram em busca de uma nova forma de dizer a frase "Jamais imaginara que toda a beleza do mundo pudesse caber no doce suspiro desta mulher".
7 comentários:
De certeza que era um piano? Não seria um daqueles sintetizadores armado «ao piano»?
Bonito!
Karmatoon:
Não, não era um desses japoneses. Era um a sério, de cauda.
Para quem está muito tempo sem dizer nada, chega e BUM!.. e dá-nos uma mão cheia de palavras bonitas que nos enche a alma por mais uns tempos...Lindo, muito bonito que através das palavras nos leva para o outro lado, para aquele lado que não se pode identificar, quantificar e encontrar...apenas sentir...Lindo!
É isso aí, como a gente achou que ia ser, a vida tão simples é boa, quase sempre...
No meio de tanta emoção, alguém levou o piano de cauda lá de casa. Espero reencontrá-lo no auditório de Barcelona, no próximo dia 15 de Novembro.
Beijo
É bom sabê-la assim gostada.
E saber que tudo o que lhe disseste ainda não lhe faz justiça.
Mas está lá quase.
Abraço
Pedro
simplesmente fantástico...bjs
Enviar um comentário