Campanha de merda

Não há como fugir ao assunto e evitar falar.
A forma como está a decorrer a suposta campanha para o referendo sobre o aborto é uma vergonha para o nosso país. Ou então, se calhar, é só o reflexo do Portugal que realmente temos e eu é que ando iludido, a pensar que já estávamos no primeiro mundo.
Adiante.

Primeiro, pelas atitudes. Do lado do não e do sim, adoptam-se posturas bélicas, como se esta não fosse uma questão digna de ser debatida com tranquilidade e razonabilidade. E de ambos os lados da barricada, cometem-se erros e excessos em demasia.
A começar logo pela pseudo-intelectualização e (palavra nova:) quequelização que dominou a "campanha": quem é chique e moderno não diz que vai falar sobre o aborto mas sim que vai discutir o IVG; talvez porque, a nível de fonética, coloque a coisa no mesmo patamar do TGV e do TDI e TDS e GPS e todas essas siglas super-in que aromatizam qualquer conversa como se fossem àguas-de-rosas gramaticais. Não há quem aguente.
De ambos os lados da barricada, surgem as écharpes e os botões de punho, indignadíssimos, que organizam palestras e tertúlias para falar sobre este problema que "afecta as mulheres do povo". Como se o aborto fosse uma nova estirpe viral perdida em África, juntam-se as tias e os tios, os emplastros da Lapa e os envernizados da baixa e a quantidade de crimes ideológicos que lhes saem pela boca fora são suficientes para querer elevar este referendo ao direito a apedrejamentos em praça pública.
De todos os lados, fazem falta os moderados, os ajuízados.

E depois, surgem cartazes como o novo da campanha do não (quanto dinheiro se gastou em outdoors?), com a frase "Ainda vai a tempo de salvar muitas vidas".
Como se, ao votar não, estivessemos a eliminar o aborto da nossa sociedade. Como se, ao votar sim, estivessemos a abrir grandes matadouros de bébés.

Quando é que alguém vai explicar publicamente que este não é um referendo para decidir se somos a favor do aborto?
Ninguém é a favor do aborto.

Este não é um referendo sequer sobre o aborto.
É um referendo sobre as mulheres. É um referendo sobre a clandestinidade. É um referendo sobre as clínicas espanholas.

É um referendo sobre um país que, por tradição e por hábito, prefere sempre fingir que as coisas só existem quando se fala nelas. Um país que continua a fingir que, se não assumirmos as tristezas e se escondermos as nódoas, é como se elas não existissem.

É um referendo sobre um país de novos-ricos, em que o que vale não é o que somos mas sim o que aparentamos ser.

13 comentários:

Anónimo disse...

Disseste TUDO o que há para dizer sobre este assunto: Claro e suscinto!
Se alguém tem dúvidas leia e releia o teu post e fica esclarecido, por muita dfificuldade que tenha em entender as coisas.

Anónimo disse...

Carlos, em parte tens razão. Este ainda é um país em que se vota "não"porque não, e não se fala mais no assunto...
De facto, este não deveria ser um referendo sobre o aborto. Mas é. Repara, se o sim vencer qualquer muher tem o direito de abortar por toda e qualquer razão, sem que seja chamada a reflectir. Eu votaria sim, se, o que estivesse em causa fosse a despenalização da mulher. Uma mulher que quisesse fazer um aborto, tudo bem, poderia faze-lo, mas numa clinica privada. E agora perguntas tu, mas e as mulheres que não tiverem dinheiro? A resposta é simples, tivessem pensado nisso antes. E isto não é pôr os pobres de parte. O aborto não é solução para nada, é antes um problema. O aborto não é nenhuma doença, é um acto para pôr cobro a uma situação que deveria ter sido pensada. Estamos no séc. XXI, não se justifica olharmos para o aborto quase como um método contraceptivo, que é o que vai acontecer se o sim ganhar. Eu não sou obrigado a ir a um hospital e dar de caras com uma senhora que vai fazer um aborto porque "se esqueceu de tomar a pílula", ou "porque não pensou que ia engravidar". Isto não. Sou a favor do não por estas razões.

Abraço

Pedro.

Carlos disse...

Pedro:

só não me parece que, com a vitória de um sim, as mulheres passem a abortar com essa facilidade, como quem cura uma constipação. Nesse aspecto, creio que estás a reduzir as mulheres a um papel de parvas que elas não merecem.

Anónimo disse...

mas os portugueses ja nao votaram sobre o mesmo assunto?

Eduardo Ramos disse...

Uma coisa que me lembrei...
... se o "SIM" vencer... que é o mais certo... as belas "filas" de espera para aquelas coisas chamadas operações que algumas pessoas precisam para viver, ou pelo menos ter uma melhoria na qualidade de vida, não vão aumentar?
Pelo que sei... o número de médicos continua a ser o mesmo... acho eu!

Anónimo disse...

Carlos, eu não o teria dito da melhor forma. Quando é que as pessoas vão entender (e, por pessoas falo mais para os homens porque pelo que tenho ouvido, é da boca deles que saem as maiores barbaridades! Como se fossem eles a estar de pernas ESCANCARADAS à espera que lhes resolvessem o problema)- Caros amigos, não é, de todo, uma situação agradável... acreditem. Ser mulher neste mundo é uma verdadeira batalha, melhor, é uma odisseia. Remar contra os preconceitos criados pelos mais pecadores, é uma tarefa bastante árdua para a classe feminina.
Respeito todas as opiniões, só tenho pena que não respeitem de igual forma as minhas. Um caso concreto: este fim de semana troquei várias impressões sobre a questão do aborto. Na minha ingenuidade - ou talvez não! - perguntei a uma amiga o que iria votar. Ela respondeu: "É óbvio que vou votar pelo NÃO". Admito que a tampa me ia saltando. Ñão por ela votar não, que não tenho nada a ver com isso, mas pela forma como o disse. Respondi de imediato: "É obvio que vou votar SIM". Acho que não gostou. Mas o que eu não gostei foi dos argumentos usados para a sua votação. Não temos o direito de matar uma vida que já mexe dentro de nós e blá, blá, blá... ´conversa de padres!!! conversa de gente iludida...
Eu não sou a favor do aborto. Acho qyue ninguém em sua plena consciência o é. Mas temos que ser realistas. Há mulheres que não querem ter filhos. Eu, por exemplo, sou doida por crianças e gostava de deixar uma enorme prole neste mundo... Há mulheres que não tem dinheiro para comer. Quem é que vai educar estas crianças que nascem sem condições para uma vida decente? Uma coisa eu sei: NÃO IRÁ SER A IGREJA. QUEM PREGA MUITO UMA COISA, RARAMENTE FAZ A COISA ACERTADA!

Para terminar. A melhor razão é a seguinte:

NINGUÉM MANDA EM NINGUÉM. AS MULHERES SÃO LIVRES DE QUEREREM TER UM FILHO OU NÃO. aS MULHERES, OS CASAIS, SEJA QUEM FOR. nÃO PODEMOS PERMITIR QUE NOS DIGAM COMO DEVEREMOS LEVAR A NOSSA VIDA. MESMO QUE A QUEIRAMOS LEVAR DE UMA MANEIRA MUITO EGOÍSTA. É A NOSSA DECISÃO. SÓ A NÓS DIZ RESPEITO.

E quanto à falta de crianças no nosso país... façamos uma troca com a China: as desgraçadas das crianças que são condenadas à MORTE por nascerem com um determinado sexo, que as mandem para cá. AFINAL VIVEMOS TODOS NUMA ALDEIA GLOBAL!

Beijinhos para ti e para a Caracóis

Cris Avelar

Anónimo disse...

PEDRO: Sou mulher e conheco muitas que nao acredito serem umas idiotas que vão abortar só porque lhes apetece.Ou a tua mãe, irmã, amiga,namorada, avó, tia são todas umas burras e estúpidas que não têm razão nem maturidade para saber que nao se aborte só porque lhes apetece!Não percebo que tipo de mulheres é que andam ai que não têm o direito a decidir uma coisa que só a elas lhes diz respeito pois são elas que passam por aquele horror.Não sei se percebeste mas nao estava a atacar as mulheres da tua vida mas sim a provar-te que TODAS as mulheres têm de saber ser sensatas e tera liberdade de decidir.Ok? bj

Anónimo disse...

Carlos, eu ainda não tinha referido nada em relação ao tema porque é realmente um assunto delicado. Tu embora me tenhas visto somente uma vez, sabes que tenho uma deficiência...se te lembras ainda de mim lógico...no Almirante. Mas quero-te dizer que foi a posição que alguém tomou, que gostei mais de ler.E não querendo tecer quaisquer juízos de valor sobre o tema só sei que uma das possibilidades cujo a actual lei permite para abortar é no caso das deficìências,tudo bem,mas tem de haver melhorias na explicação das mesmas e não como ainda hoje acontece por parte de médicos que ao explicarem as patologias só falta dizerem que se nasce verde e com antenas.O que quero dizer com isto? Que o aborto não deve ser um instrumento selectivo.

Porque se os meus pais tivessem sabido que eu sou diferente com explicações mirabulantes da minha patologia em período possível de abortar e se tivessem optado por tal...dá-me que pensar, porque embora diferente, sou feliz.

Quanto à problemática em questão...ninguém deve ser objector de consciência, embora a democracia o seja por si mesma porque decide por maioria o teu, o meu dia-a-dia, como diria uma antiga canção dos Delfins.

Poder optar?

Sim, mas na posse de todos os elementos para a melhor opção.

Carlos disse...

ATENÇÃO A TODOS:

Como já sei o que a casa às vezes gasta, aviso que não vou publicar comentários que considere insultuosos para outros leitores, sejam do sim ou do não.
Venham daí comentários, mas civilizados.
(Sim, este blogue não é democrático e fica fora quem me apetecer)

Anónimo disse...

Gostei bastante do texto e concordo com tudo o que escreveu. Acrescento que esta é uma campanha com argumentos a raiar a ignorância (ou a tentar conseguir apoiantes entre quem sofre da mesma), como quando se pretende manipular a realidade tentando contrariar o facto de que às 10 semanas o feto não sente dor (facto provado cientificamente), não tem uma consciência desenvolvida, não pensa, não sofre.
"Repara, se o sim vencer qualquer muher tem o direito de abortar por toda e qualquer razão, sem que seja chamada a reflectir". Este é o problema dos apoiantes do não - consideram as mulheres seres mentecaptos. Pelos vistos, temos uma consciência muito duvidosa, uma capacidade de reflexão limitadíssima, e retiramos muito prazer de uma intervenção fisicamente desconfortável e que pode colocar a nossa própria vida em risco, mesmo quando realizada em ambiente hospitalar. De uma vez por todas - nenhuma mulher vai usar o aborto como método contraceptivo se estiver em plena posse das suas faculdades mentais, e votando no "não", não se evita a morte de um feto - potencia-se, isso sim, a morte de mãe e filho, numa qualquer clínica ilegal. Muito se fala no aborto, mas acima de tudo, em todas as discussões tem estado implícita a questão da discriminação sexual. Infelizmente, percebi que para muitos, a mulher ainda é um ser inferior, claramente pouco inteligente e sensato. Talvez um dia as coisas mudem. Talvez um dia...

Luis Prata disse...

Eu estou pelo SIM.

Tenho pena de dizer isto, mas tenho quase a certeza que o NÃO vai ganhar. Porquê? Porque acho que a campanha do NÃO está a ser mais "forte" do que a do SIM a converter indecisos e confusos. (que são mais que as mães)

Ideias que andam por aí a converter "confusos" e que penso que não eram discutidas no ultimo referendo:

- Ideia de que vão pagar mais impostos se votarem SIM. Cegam, porque não pensam, e votam não..

- Novo ruído. Agora diz-se que se pode votar NÃO, e deixar de criminalizar a mulher. Cegam e votam NÃO, pensando que assim protegem a mulher e evitam abortos..

Enfim.. SIM ou NÃO, os abortos vão continuar a ser feitos.. só tenho pena é que existam milhares a fazer fortunas à conta disso sem declarar nada ás finanças, e das mulheres que acarretam com essa decisão difícil ainda terem que fazer malabarismos para ter alguma dignidade e segurança.

1 Abraço, e vai votar!

Anónimo disse...

Meus amigos: já seria tempo de esclarecer as pessoas sobre o que realmente está em causa neste referendo, e a classe política, gente com responsabilidades políticas e legislativas, não só teve CAGAÇO de votar sobre a matéria no hemiciclo, o que é sintomático da divisão social que sabem que o tema provoca e da falta de apoio e legitimação democrática que qualquer decisão teria, como não esclarecem o zé povinho de Cascais ou da Lourinhã (sem desmerecer) sobre as reais responsabilidades que sobre os seus ombros depositaram. É que, desenganem-se! A democracia é um sistema político que só funciona com gente informada, não com pascácios e ratos de sacristia, não com os acólitos do Sr. prior. Têm opinião? Pois bem,fundamentem-na pela vossa própria cabeça. Filosofias e crendices à parte, o povo português vota por simpatia...simpatia do Sr. Dr., simpatia da cara dele, simpatia da carteira, simpatia dos santinhos, simpatia do-que-tens-para-me-oferecer, etc... O povo NÃO SABE O QUE VAI VOTAR! E a culpa é dos políticos. Porquê? Porque se demitiram para fazer disto umas eleições. Puta que os pariu a todos! O que está em causa, de uma vez por todas é isto (falo ex cathedra porque sou jurista): permitir que uma mulher aborte, apenas por sua livre e espontânea vontade, até às 10 semanas de gestação, sem que isso a faça incorrer em ilícito criminal ou contra-ordenacional, ou seja, sem que cometa um crime ou pague coima. Claro que, a permitir-se isto, duas coisas estão implicadas: não punir que a auxilie (obeviamente, não se quer que a mulher aborte sozinha, isso era a mesma coisa que estar quietinho) e criar condições para que todas o possam fazer em condições de igualdade, o que passa por realizar abortos através do sistema nacioanal de saúde. Perante isto, senhoras e senhores, esgrimam os vossos argumentos, mas façam-no honestamente, com respeito pela opinião discordante. E o respeito numa dicussão de argumentos passa por não ridicularizar a opinião contrária, mas tentar rebatê-la com evidências, não atacar a pessoa do adversário ideológico, mas seduzi-lo com os nossos argumentos, não infantilizar a discussão, mas elever o seu nível, não usar argumentos ad homine, mas atacar o assunto. Fico realmente aborrecido com falta de honestidade intelectual. ESTA CAMPANHA DE MERDA ESTÁ INQUINADA COM FALTA DE HONESTIDADE INTELECTUAL!!! Não suporto quando os partidários do não veem dizer que os do sim são assassinos de crianças... é melhor nascer para dentro de um saco de plático preto e ser abandonado numa casa de banho, ali, cheio de sangue e bocados e placenta, roxo de frio e a berrar para descolar os pulmões, morrer ali de hipotermia, ou é melhor não nascer de todo?...é melhor nascer e ser sentir a vida toda que se foi rejeitado como um tumor que se extrai do não nascer de todo? dizem eles...enquanto há vida Há esperança...digam isso aos miúdos da casa pia que passaram a infância e adolescência a levar no CU de quem os devia proteger, digam isso às centenas de abortos feitos em espanha por quem agora vem à praça público exibir a prole com roupas "Cenoura" e "D. QualquerCoisa"! Digam isso ás miudas de 15, 16, 17 anos que os meninos-bem com cabelinho à la capacete e sapato de vela seduzem com promessas vãs e depois lhe metem um cheque no bolso e um bilhete para badajoz... fico realmente fodido com o pessoal do sim que vem para a praça pública com ar de rebelde e porra-louca exibir o ventre esquálido e peludo dizendo: "na minha barriga mando eu!!!" Isto é falta de honestidade intelectual! Liberdade implica responsabilidade! São duas faces da mesma moeda... não venham dizer, por outras palavras, "eu tenho direito a dar uma queca sem consequências"... não, não é isto. O que está em causa não é a mulher, meus amigos... o que está em causa é a criança, fruto de um acto responsável que correu mal, de um acto irresponsável que só podia correr mal, fruto não desejado...reparem, enquanto a tónica for: o direito da mulher em não engravidar ou não ter filhos, entao a discussão está enviezada. O que está em causa é o direito da criança a nascer para uma vida que valha, onde os seus progenitores a desejem não menos do que uma mãe gata deseja os seus filhos. Por outro lado, associado a isto, surje o direito da mulher abortar em consciência, não porque está em causa a sua pessoa, mas porque a sua falta de vontade vai por em causa a pessoa da criança que vai nascer. Se se reconhece esse direito à mulher, então reconheça-se também o direito a não morrer por isso...já basta perder uma vida. Mais uma vez, a discussão esta livre de ser isenta, esclarecida e livre de obscurantismos e fanatismos, sejam eles religiosos, egoistas, egocêntricos, neo-liberais, anarquistas, burgueses, de falsa moral com cheiro a sermão bafiento. Reitero aqui tudo o que afirmei num post anterior sobre o assunto.
Votem em consciência... o poder de decisão custa a conquistar, mas também pesa nos ombros. Decidir não custa, custa é decidir bem.

Um abraço a todos.

Manuel Prata

Luis Prata disse...

Grande Manuel!