Quero abortar este referendo. Posso?

Quero abortar este referendo.
Quero abortar estas falsas questões que de repente eclodem em todos os jardins cagados deste país.
Quero abortar os frustrados que se querem vingar das mulheres e fazer delas incapacitadas mentais, ao dizer que se a despenalização for em frente vamos ter filas de portuguesas nas salas de espera dos hospitais deste país; os imbecis que nos tentam convencer que as mulheres deste país são todas putas fodilhonas completamente ignorantes e desconhecedoras de métodos anticoncepcionais e que aguardam esta oportunidade para derramar sangue como se estivéssemos na Transilvânia.
Quero abortar as actrizes e falsas púdicas e pretensas puritanas que enchem a garganta nos gritos das manifestações, ansiosas pelo estrelato na reportagem televisiva, e que vêm para as ruas dizer que são pelo "Não" porque são pela vida.
Sou contra todos os energúmenos que ainda não perceberam que todos somos pela vida.
Sou contra todas as bestas que pensam que este é um referendo sobre o aborto e que quem vota sim é porque tem algum fascínio por ver pequenos fetos assassinados em alguidares médicos.
Quero abortar todos estes filhos da puta que nas suas igrejas de ouro conquistado sobre sangue ainda julgam que têm a voz do poder e o poder da autoridade moral e estabelecer limites nas suas paróquias intelectuais.
Quero abortar todos estes dedos no ar, todos estes rostos vermelhos, todas estas gargantas inchadas, todos estes cavalheiros e todas estas senhoras que fazem disto a bandeira da montra dos seus bibelôs morais.
Abortemos já, abortemos todos os que insistem em esconder sobre demagogias a verdadeira questão deste referendo.
Este não é um referendo sobre o aborto. É um referendo sobre uma lei. Uma lei que oprime as mulheres. Uma lei que incentiva o medo e que favorece os abortos em vão-de-escada, uma lei que promove as idas a Espanha, uma lei que coloca as mulheres abaixo do nível de dignidade que é suposto terem já conquistado.
Este não é um referendo sobre o aborto.
Calem-me estes cabrões que tentam convencer o resto do país que, ao votar sim, vamos estar a promover uma holocausto de corpinhos de bébés por este país fora.
Silenciem-me estes criminosos que misturam dignidade e justiça com os mais primários valores humanos.
Juro-vos, a minha vontade é abortar toda esta discussão,ou melhor, todos estes monólogos de dedo em riste e de posturas fascistas.
Quero abortar os meninos da extrema-direita, escondidos nos seus cabelinhos de Anita-Vai-Á-Escola, camuflados pelos seus supostos bons valores morais, que tentam colocar esta questão dividida entre "quem é a favor da vida" e "quem quer matar todas as criancinhas".
Quero abortar todos os que se esqueceram que alguns de nós ainda pensam, que alguns de nós, apesar de sufocados pelos investimentos estrangeiros e de perdidos nos shoppings e de arrastados por modas e escândalos e falsas vedetas, ainda pensam.
Que alguns de nós ainda reagem, apesar de saberem que provavelmente o resultado vai ser "Não".
É verdade, o resultado é bem capaz de vir a ser não e eu explico-vos porquê: pelas mesmas razões que estão na origem dos acidentes na estrada, dos fogos florestais, do Apito Dourado, do Santuário de Fátima, da fuga ao fisco, da violência doméstica, da Casa Pia, da baixa produtividade, do endividamento, dos carros topo-de-gama nas estradas, do baixo rendimento escolar e da nossa contínua ignorância.
Somos uma grande montra sem grande recheio. Somos uma nação de novos-ricos impostores, de extremistas disfarçados, de um povo que continua a pensar que a qualidade da tua casa se vê pelo teu jardim.
Somos os reis da aparência. Uma ida a Espanha ocasional é a mesma coisa que não ir.
Os vãos de escada são feitos para isso mesmo: ocultar os segredos da burguesia.
Apetecia-me abortar todo este falso barulho.
Apetecia-me abortar este país.

36 comentários:

Anónimo disse...

Podes!
Tem sido vergonhoso.

Mas sendo-o, podemos responder em voto no mais suberano comportamento democrático...

O voto, o nosso.

Pena é que o nosso voto, possa não ser o dos demais.

Aí, como já o referi num post anterior ,surge o maior perigo da democracia, a maioria decidir o dia-a-dia, o meu, e de mais sabe-se lá de quem.

Anónimo disse...

Infelizmente Carlos, o país já passou as 10 semanas de gestação.
Sinceramente, para além da argumentação demagoga para além de qualquer realidade, sobretudo no campo do não, choca-me a concepção da mulher como simples hospedeira,sem direito nem controle sobre o próprio corpo.
Choca-me sobretudo a incapacidade de lidar com a liberdade dos outros.
E a capacidade de lhes recusar, sem pejo, a sua autonomia,e de julgar que, uma vez livres para decidir, as pessoas decidirão mal, sendo que o mal para elas, somos nós e não elas a decidir.
há toda uma arrogância e superioridade moral sobre o sofrimento alheio que me choca.
Choca-me a hipocrisia latente, e patente de todo este processo.
A demissão dos nossos representantes.
A nossa demissão quando não comparecermos no domingo.
E choca-me saber que em ambos os campos e seja qual for o resultado de Domingo, será pouco ou nulo o esforço dedicado a criar as condições para que o aborto seja de facto uma solução residual.
Porque não haverá um sistema saúde capaz de responder às necessidades neste campo.
Porque continuaremos a recusar educar as pessoas de forma eficaz no campo da sexualidade.
Porque continuaremos a promover a exclusão social
Porque não nos organizaremos para promover a maternidade
Porque continuaremos a descriminar laboralmente mulheres grávidas e com filhos.
Porque convenientemente esta lei não será regulamentada de forma eficiente e as pessoas não serão informadas dos seus direitos e sobretudo da forma de os exercer.
Etc.
Nada disto invalida que seja preciso votar no Domingo.
Por isso voto sim. eu Pedro Goulão, católico para que conste.

Anónimo disse...

Olha...Junta-te ao clube...

karmatoon disse...

Podes. Claro que podes.
Já agora, podemos abortar um governo sem os tomates no sítio?

Anónimo disse...

Isto por aqui está a refinar-se. Belo texto e ainda melhor argumentação! E quanto às dúvidas: desta vai ganhar o sim. De certezinha.

Eduardo Ramos disse...

Carlos...

Clap Clap Clap Clap Clap
BIS BIS
Clap Clap Clap Clap Clap

Anónimo disse...

Não tudo o que dizes é vesdade. Creio que ninguém apoia que uma mulher que faça um aborto vá presa. Mas, como a ecperiencia de outros países o demonstra, a liberalização do aborto levou a um aumento enorme do numero de abortos. Por isso voto não, não porque ache que as mulheres devem ser punidas pela pratica do aborto, mas porque não concordo com a liberalização total deste. Acho que aborto sem regras é algo inconcebivel num país "evoluído". E já agora, adorei ver a favor do sim, num dos tempos de antena, uma senhora a dizer, e passo a citar "voto sim porque sou a favor da vida e paara que nasçam mais bébés saudáveis em Portugal" Eupergunto, alguém teria drogado a senhora, ou será que são estes apoiantes fervurosos do sim que só argumentam com a digninadade que lhemanipularam as ideias??? Para mim, crime seria mulheres a sem poderem engravidar a esperarem 5, 6 e 7 anos por ajuda clinica, as que nãopodem pagar, enquanto outras "enchem" os hospitais para abortar....

Pedro

Carlos disse...

caro Pedro,
quando dizes:" liberalização do aborto levou a um aumento enorme do numero de abortos", não é verdade. Vê o caso da Holanda, por exemplo.
Mas se isso acontecer, há uma razão simples: não é o número de abortos que aumenta, mas sim o número de abortos oficiais.
Ou seja, as mulheres que iriam abortar de forma clandestina passaram a fazê-lo de forma legal.

Anónimo disse...

"a liberalização do aborto levou a um aumento enorme do numero de abortos" - pois. Acredita mesmo que os dados relativos ao número de abortos clandestinos é fiável? Acredita ser mesmo possível obter dados fidedignos sobre uma actividade ilícita? Por acaso alguém sabe quantas toneladas de estupefacientes entram ilegalmente em Portugal todos os anos? Não. Só se faz a contagem das que se conseguem apreender.
E é assim a vida neste país.

Luis Prata disse...

Ás vezes apetece muito.. abortar este país..

Vocês acham que este ano a abstinência vai à mesa de voto?

Anónimo disse...

Se na holanda nao aumentou há um motivo. Chama-se prevenção. Chama-se planeamento familiar. Sou mulher e acho que o motivo 'a mulher pode escolher' é humilhante para mulher. Pois pode. Pode escolher não abortar. Acho que desresponsabilizar a mulher não é a solução. A mulher engravida. Não é nenhum castigo, é uma condição biologica. Para as que não querem há escolha. Talvez eu votasse sim, se este país tivesse tomado algumas medidas de apoio ás mulheres que realmente querem poder tyer os seus filhos. Se ANTES deste referendo fosse dada oportunidade as mulheres de realmente escolherem poder ter os filhos e nao empurra-las para um aborto que lhes vai mudar a vida para sempre. Despenalização sim, mas só depois de verdadeiras soluções. É triste ver opiniões que se formam ignorando metade das mulheres. Aquelas que não querendo abortar o têm de fazer. o aborto nao é uma escolha, é simplesmente uma falta de escolhas.

Carolina *

Carlos disse...

Cara Carolina

claro que é uma falta de escolhas, na maioria dos casos.
E, justamente por isso, além da falta de escolhas achas que ainda devemos criminalizar a mulher e agravar a situação?

Anónimo disse...

Ora aqui está um post sem papas na língua!

Ando a fazer publicidade a este teu post. Espero que não te importes.

Anónimo disse...

Posso subscrever, palavra por palavra?

beijo enxofrado

Anónimo disse...

Não, não aborte o referendo!

Ainda que de forma errada, e peço desculpa mas a histeria tem sido de todos os lados, dos Não, dos Sim e dos NIM, há já muito tempo que não via uma tal mobilização da sociedade civil. Nos autocarros, nas cafés, nas escolas, as pessoas têm debatido o tema, têm-se irritado, têm-se comovido, têm-se confessado ao estranho, têm tido atitudes irracionais e anti-democráticas, e têm tido atitudes de compaixão e compreensão. Perante o marasmo e a falta de ideologias a que temos assistido há já alguns anos, ver novos e velhos manifestarem-se, por errada que seja a forma, é um avanço. Só demonstra que quando o tema justifica, estamos todos cá - não é preciso arranjar figurantes, como nas campanhas para eleições politicas.

Quanto à despenalização: como somos incapazes de fazer cumprir a lei, a solução é despenalizar o crime. Pronto. Assim, fica resolvido. É esse o principal argumento que tenho ouvido: o aborto vai continuar a fazer-se, que seja então em condições de segurança.

Eu voto NÃO. Mas os meus motivos não são entendíveis pelas outras pessoas; no meio de tantos argumentos válidos pelo Sim e pelo Não, desliguei a parte cognitiva e consultei o meu coração. A mente tende a enganar-me, o coração não. É esse conselheiro que eu vou seguir.

Helena

Carlos disse...

Zeni:

obrigado pela visita!
Claro que podes divulgar o post e, sem interesse nenhum da minha parte, :p , aproveita para divulgar o resto do blog e sobretudo o meu espectáculo de terça-feira no Maria Matos, pós-referendo e com entrada livre, eheheheh !

Anónimo disse...

Vou divulgar ambos!

E aparecer, se puder, na 3ª feira.

Carlos disse...

Helena:
obrigado pela opinião e pela visita. É verdade, há muito tempo que não víamos esta mobilização.
Quer dizer, pelo menos desde o último campeonato de futebol.
Eu compreendo esse argumento, mas a minha opinião é precisamente inversa: eu penso que a emoção, o coração, tem tendência a enganar-nos, e a razão não.
É uma boa temática, ainda faço um post sobre isso.

Rui Barroso disse...

Parabéns pelo artigo!
Subscrevo-o na íntegra.

Salseira disse...

Gostei muito deste post! Realmente o referendo mobilizou as pessoas que normalmente não se manifestam grande coisa. Mas trouxe ao de cima o pior que existe em cada um de nós. Não é generalizada esta situação mas aconteceu imenso.

Mas mais do que a discussão que se gerou é importante que as pessoas vão votar. Aí sim iremos ficar a saber se houve mobilização ou não. Porque a discussão que anda na rua tem muita coisa por trás que nem sempre tem a ver com querer fazer parte da vida deste país. Tem muito mais a ver com "mas porque raio os outros não pensam como eu?!".

Quando votamos em partidos estamos a votar em muita coisa e, muitas vezes, nem sabemos bem em quê. É por isso que nessas campanhas não há tanta discussão. Até porque cada partido tem coisas com que concordamos e coisas com que não concordamos. Aqui não. Aqui há um assunto só a ser discutido.

Eu voto sim! E também voto com o coração. Voto sim não porque não se consiga cumprir a lei, Helena. Voto sim porque acho mesmo que cada mulher deve poder decidir com calma, sem medo e com acompanhamento.

Anónimo disse...

No seguimento da mensagem da Salseira, vou só acrescentar algo mais:

Não julguem os que não votam, que se livram de problemas de consciência, e passo a explicar:

- Eu voto Não - se o Não ganhar, já ponderei como me vou sentir ao ler num jornal daqui a uns tempos que mais uma mulher morreu por ter praticado um aborto clandestino
- Se eu votasse Sim - e o Sim ganhasse, também corria o risco de um dia se alterarem os valores, e chegar à conclusão que a opção actual afinal tinha sido errada

Mas o facto é que não há alternativa, e portanto cada qual que vote como melhor se sentir, e da forma que ache mais correcta, vá lá pelo coração ou pela razão, ou pela interpretação destes. De uma forma responsável.

Porque a alternativa é não ir votar, e mais do que quem tem coragem de assumir responsabilidades, serão esses no Futuro a arrependerem-se porque poderiam ter marcado a diferença.

Helena

P.S. - obrigada, Carlos, pelas palavras amáveis a uma forasteira ainda por cima do "contra"

Carlos disse...

Helena

todas as ideias, opiniões e posições são bem-vindas a este blog, desde que feitas com respeito, argumentação.
Não te posso julgar por votares sim ou não - eu, acima de tudo, creio que a vida não é preto e branco, mas sim uma grande escala de cinzentos.
Espero que por cá continues, tal como todos os outros.

Carlos disse...

Ah, e espreitem o post sobre a questão coração versus razão.
(Helena, não é provocação, é aproveitar uma frase para mais uma boa discussão)

Anónimo disse...

Nem de propósito!

Acabo de ser acusada, por uma defensora do "não", de matar criancinhas, como os nazis!

Anónimo disse...

A grande questão frisaste bem: Vamos referendar uma lei! Mas quem somos nós para decidirmos uma lei? Que conhecimentos legais tem o povo para alterar leis? O governo que tenha tomates para tomar as decisões. Aumentam impostos, apertam as multas, e não fizeram referendos para isso!!! Isso é que transtorna a vida dos portugueses e sobre isso deveriamos dar a nossa opinião e chumbo ao governo. Quanto ao referendo, deixem-se de tretas: não vai acabar com o aborto clandestino. Penalizem sim o aborto clandestino. Aliás... passem a aplicar a lei nesses casos apenas, que já basta de mercados paralelos. Aprovem a eutanásia primeiro... que não houve problemas no parlamento a despenalizar (e não legalizar) o consumo de drogas leves. Comecem a pagar os 400 euros às mães que não têm condições financeiras de levar uma gravidez para a frente, em vez de os dar às famílias de acolhimento. Criem comissões de ética para estudar o caso das mulheres que querem abortar: aconselhamento psicológico, médico e assistência social. Mas por favor, não permitam a simples decisão do "porque sim". E voltem a deixar-se de merdas, claro que não é caso geral, mas há quem faça dois e três abortos por simples irresponsabilidade. Se há pessoas que não querem ter filhos, há operações que lhes resolvem o problema ANTES. Não estamos apenas a falar de direitos das mulheres... comecemos por falar nos seus deveres! É por isso que a miudagem anda tão parva e estúpida. Só sabem dizer: "Eu sei os meus direitos!!!" E os deveres? Será que cada um sabe dos seus deveres? Ou estamos a caminhar lentamente (ou não) para a anarquia total? Antes de reclamarem pelos vossos direitos e tomar as dores dos outros, pensem nos vossos deveres.

Salseira disse...

Alexvin,

O referendo sobre este assunto é feito porque esta lei é sobre uma questão que faz uma clivagem na sociedade e que tem raízes na nossa cultura judaica-cristão, que trasnporta consigo valores que hoje em dia começam a ser postos em causa.

Não me parece que seja uma questão de "tomates" porque aumentar os impostos, o pão ou a electricidade tira mais votos.

No entanto, eu também acho que não deveria haver referendo porque acho que a nossa sociedade não está suficientemente madura... como se vê pela maioria dos argumentos utilizados.

Agora não percebi uma coisa:

" Quanto ao referendo, deixem-se de tretas: não vai acabar com o aborto clandestino. Penalizem sim o aborto clandestino. Aliás... passem a aplicar a lei nesses casos apenas, que já basta de mercados paralelos."

É isso mesmo que se pretende com o Sim a esta lei. Ao regulamentar onde se pode abortar sem se ser penalizado está automaticamente a penalizar-se o que sair fora desse âmbito. Parece-me bastante claro...

Carlos disse...

Alguns visitantes acederam a este post graças a algumas ligações que lhe foram feitas noutros sítios (o que desde já agradeço).
Alguns deles, no entanto, têm me escrito mails a perguntar qual o endereço original do meu blog. Fácil: http://carlosmoura.blogspot.com

Luis Prata disse...

Quando um post é excelente merece ser divulgado ;)

Anónimo disse...

Salseira,

Continuo a dizer que o "Sim" não vai penalizar o aborto clandestino e muito menos vai acabar com ele. Não é o objectivo da lei. Aliás, os milhões que pagamos aos senhores que se sentam no Parlamento e aos consultores que nas suas preocupações com as vírgulas, se esquecem de se concentrar no que interessa nas leis. Basta pegar na história da nossa Legislação (e em qualquer Código) e ver as ambiguidades dos artigos. E quando assim é, abrem-se precedentes... e quando se abrem precedentes, entra-se na bandalheira total.

Mais ainda... O que o Governo veio pedir explicitamente foi: "Votem Sim no referendo, e depois fazemos a lei e tomamos o resto das decisões". Desculpem, mas eu não assino em branco. Ou já têm as leis preparadas e dão conhecimento do que vão fazer caso o Sim seja aprovado, ou o meu voto é certo num Não. Não admito sequer que façam chantagem, como se de meninos mimados se tratassem.

Mas não me interpretem mal. Sou a favor do aborto (e contra a pergunta e motivo do referendo). Caso não saibam, os EUA conseguiram reduzir drasticamente a criminalidade a partir do momento em que liberalizaram o aborto. Ou seja, de uma forma natural conseguiram que as populações mais desfavorecidas e com "genes menos dignos" não aumentassem da forma como estava a aumentar e dessa forma conseguiram controlar o aumento da criminalidade (claro que demorou cerca de uma geração a começar a verificar-se a redução). Opção digna um regime fascista, só ultrapassada pela habilidade de fazer passar os judeus por fortes emissões de RX e assim esterilizá-los.

Anónimo disse...

Salseira,

Sem querer passar isto para um diálogo em público, queria pegar num parágrafo que escreveste:

"É isso mesmo que se pretende com o Sim a esta lei. Ao regulamentar onde se pode abortar sem se ser penalizado está automaticamente a penalizar-se o que sair fora desse âmbito. Parece-me bastante claro..."

Acreditas mesmo nas partes implícitas nas leis?! Conheces alguma lei que seja clara?!As "coisas" têm de estar escritas, senão não têm qualquer valor legal. É por causa disso que quando fazes um contrato qualquer, afogam-te em cláusulas.

Só conheço uma área onde se pode aplicar a regra de que: "O que não é explicitamente permitido é implicitamente proibido", e não tem nada a ver com Legislação, Código Penal, Civil, da Estrada ou outro Código qualquer.

Miguel disse...

Caríssimos,

Antes de mais, parabéns pelo post, Carlos.
Queria falar sobre uma ou duas coisitas.
O REFERENDO.
Existem duas formas de democracia. Existe a democracia directa e a democracia representativa. A democracia representativa já a conhecíamos bastante bem. Consiste em, periodicamente, chamar o povo a pronunciar-se sobre quem deverão ser os seus representantes por um período de quatro anos. Os partidos apresentam programas e o povo vota. Os mais votados ficam detentores do poder executivo (governar). Os restantes fazem oposição, fiscalizam a acção do governo e mostram alternativas ao poder vigente. A Assembleia da República representa o conjunto dos cidadãos, na sua diversidade, mas privilegia aqueles que tiveram o maior número de votos. Não é perfeito, mas é o menos mau de todos os sistemas experimentados.
A Democracia Directa é o exercício directo, constante, pleno da soberania popular. O povo é chamado a decidir sobre as questões em concreto, e define, a cada momento, as opções políticas da comunidade. A Democracia Directa não é viável para o dia a dia, a menos que estejamos a falar de uma pequena comunidade em que todos os cidadãos possam repartir a responsabilidade de governar. Mas trata-se de Democracia em estado puro. É a Democracia verdadeira na sua expressão mais nobre e legítima.
Por razões práticas óbvias, não podemos viver num sistema puro de Democracia directa. Mas podemos, dentro do nosso sistema representativo, adoptar, em determinados momentos, mecanismos de Democracia Directa, em que, para determinadas decisões, o povo é chamado a dar o seu veredicto. A isto chama-se REFERENDO.
O referendo não tem nada de mal. Mobiliza e responsabiliza as pessoas, consciencializa-as, e fá-las sentirem-se parte útil, decisiva até, da comunidade.
Este tema poderia não ter sido sujeito a referendo. Mas, tendo em conta que já tinha sido tema de referendo no passado (a forma mais nobre de Democracia, não o esqueçamos) se os nossos decisores legislassem, sem mais, sobre aborto, teríamos muita gente (talvez os mesmos) a acusar os "políticos" de se substituirem ao povo e de decidirem com um nível inferior de legitimidade. Até imagino os partidários do "Não" a acusarem o governo de estar a querer ganhar na secretaria algo que tinham perdido nas urnas... e a exigirem um novo referendo.
O argumento de que o país não está à altura de ser chamado a referendar a despenalização da IVG, embora compreensível, é um argumento anti-democrático. É o mesmo argumento que o Estado Novo usou, no passado, para recusar aos portugueses a capacidade de decidirem sobre o seu destino colectivo, isto é, de votarem livremente.
Seja qual for o resultado, o povo tem que ser respeitado na sua decisão. E é por isso que, na eventualidade de o "Não" ganhar, os políticos do "NÃO" não poderão "tirar o coelho da cartola" e suspender as penas pelo crime de aborto que estão previstas no actual Código Penal. Por uma razão muito simples. Depois de o povo dizer que não à despenalização, NINGUÉM pode interpretar isso como: "Está bem, eles disseram "Não" mas foi só à parte dos abortos serem praticados no Serviço Nacional de Saúde. Eles votaram "Não" à despenalização mas na realidade estavam a votar "Sim" à despenalização". Os representantes dos partidos (neste caso PSD e CDS) não têm legitimidade para interpretar a decisão popular no sentido contrário à decisão popular, nem para definirem nuances àquilo que foi a expressão da nossa soberania colectiva. Quem vota "NÃO" pode fazê-lo como o Professor Marcelo (apenas contra a "liberalização") mas pode votar "NÃO" porque quer mesmo ver as mulheres a serem julgadas - e está no seu direito.
Por outro lado, a pergunta - que agora muitos acusam de ser mentirosa, foi aprovada em sede própria. Foi aprovada pelo PSD, pelo PS, pelo BE, pelo tribunal Constitucional e pelo Presidente da República. Os Movimentos do "Não" só agora se lembraram de a colocar em causa... Mas não me lembro de os ver proporem outra pergunta no passado. A isto chama-se hipocrisia, malabarismos eleitorais, e desrespeito pela vontade do povo. E desrespeito pelo referendo. Não é bonito.
Quem votar, deve saber em que é que está a votar. À custa de tanta campanha, já decorei o raio da pergunta: "Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez se praticada até às 10 semanas de gestação em estabelecimento de saúde legalmente autorizado? SIM? NÃO?"
Não existem: "NIM", "TALVEZ", "VOTO NÃO, MAS ATÉ SOU A FAVOR DA DESPENALIZAÇÃO", "VOTO SIM, MAS NÃO CONCORDO COM A IDEIA DE SER EM HOSPITAIS PÚBLICOS"

A pergunta é simples. E a resposta é de "SIM" e "NÃO".
Se o "SIM" ganhar, significa que as mulheres não serão punidas pela prática do aborto. Significa que poderão fazer o aborto na privada ou no sistema público. Significa que as mulheres terão aconselhamento psicológico e um período de reflexão (e dissuasão) sobre o aborto.
Se o "Não" ganhar, isso significa que o povo decidiu manter a actual lei. Mais. Significa que o povo quis que a actual lei passasse a ser realmente aplicada, com tudo o que isso implica. Sim, porque não é à toa que se diz: "Não há crime, sem castigo".

Falava-se no aumento dos abortos e no aborto como método contraceptivo.
A realidade desmente esses factos. Na Suíça, por exemplo, de todas as mulheres que recorreram aos hospitais para a prática de aborto, 15% acabaram por desistir de livre vontade. Se o aborto na Suíça fosse clandestino, é garantido que todos os 100% de abortos desejados chegariam ao fim.
Votar "SIM" é a única forma de reduzir os abortos. E votar "SIM" é assumir o combate e a criminalização das pessoas que se dedicarem profissionalmente à prática do aborto clandestino.
Votar "NÃO" não salva uma única vida.
Pessoalmente, acho o aborto uma coisa muito triste e, se possível, deve ser evitado a todo o custo.
É por tudo isto, que VOTO SIM.

Miguel disse...

Já agora, gostava de levantar outra questão (desculpem lá)...

Quem afirma que a vida humana é sempre digna de protecção, mesmo antes do nascimento, mesmo antes da existência de auto-consciência, mesmo antes da consolidação de um sistema nervoso central, e mesmo antes de as noções de "dor física" ou "angústia" poderem ser aplicadas ao feto, merece-me todo o respeito.

Esse argumento, apesar de assentar num dogma filosófico e religioso e não científico é, para quem o partilhe, válido.

Mas há uma coisa que não me entra na cabeça, sobretudo porque os defensores do "SIM" são muitas vezes acusados de quererem "matar crianças, como o Hitler..."

Se a vida humana é toda ela SEMPRE susceptível de ser defendida, mesmo contra o direito dos filhos a serem desejados, mesmo contra o direito à auto-determinação da mãe...
...como é que o "NÃO" defende a manutenção da actual lei?
A actual lei permite o aborto em caso de malformações do feto, violação, ou perigo de vida para a mãe.

Se o aborto é homicídio (Holocausto - chamam-lhe alguns mais exaltados), não o é só para os fetos bonitinhos, perfeitinhos, nascidos de pais e mães saudáveis, pois não? Um feto concebido depois de um acto de violação não é menos humano que os outros, ou é? E os fetos com malformações, que dizer destes?

O "NÃO" diz que compreende o desejo da mãe, nestes casos, de abortar, pois é legítimo que só queira ter o filho se ele for saudável. Se não for, portanto, passa a ter menos direito à vida... Não sei se percebem o alcance deste argumento. É que dá-se o caso de as pessoas com deficiência não serem menos humanas do que as outras...

A ideia de seleccionar, de entre os humanos, aqueles que têm melhores condições de "normalidade" e "saúde"... A escolha, por via de selecção natural, de quais os que têm o direito a viver tem um nome. Chama-se Eugenia.
E foi esse o ponto de vista usado por Hitler para eliminar os "menos puros" e justificar o Holocausto.
Somos todos filhos de Deus?
Aparentemente, para a sempre humana e generosa igreja católica, sempre há filhos de um deus menor...

No Domingo, seja qual for a vossa posição, não se demitam de ir votar.

bUgZ disse...

És um senhor e mais não digo! Mentira, digo...SIM, vamos abortar este país!

Anónimo disse...

miguel, quem te disse que quem vota nao concorda com a lei actual?
eu nao vou votar porque estou fora do pais e embora saiba que e possivel nao e tao facil como possam pensar. se votasse seria NAO. sou catolica(?) e cientista mas mais do que isso eu sou eu. tenho as minhas proprias ideias(que normalmente nao sao as mesmas da igreja que frequento ou as de muitos cientistas), nao e pq um partido religiao ou o que quer q seja tem uma opinao que todos os que a ele pertencem tem que ter a mesma opiniao. Eu sou contra o aborto, eu sou a favor do planeamento familiar, sou a favor do uso de contraceptivos, sou a favor da educacao sexual, sou a favor da penalizacao de quem decide arrepender-se de uma relacao sexual consentida que resultou na formacao de um embriao, sou a favor da ajuda a mulheres/casais que dela necessitem para poderem educar uma crianca. tenho 24 anos e nao quer engravidar agora, isso destruiria todos os planos futuros a nivel profissional, mas se engravidar sera porque nao tomei os devidos cuidados. A responsabilidade e minha! nunca terei o direito de simplesmente esquecer que aconteceu. cada um e responsavel pelas suas accoes (o que nao e o caso das violacoes como previsto na lei actual).
concordo que o aborto clandestino e um problema, tal como concordam todos os que sao contra o aborto, e sim essa e um problema que precisa de uma solucao pq a lei actual nao e suficiente, mas NAO, a solucao nao e liberalizar o aborto!
Raquel

Miguel disse...

Cara Raquel,

Desculpa, mas não leste o texto com atenção. Eu chamei justamente a atenção para este ponto: os movimentos do "NÃO" já vieram a público anunciar que, caso o "NÃO" vença, vão propor a suspensão dos julgamentos e da prisão das mulheres (inspirados pelo Professor Marcelo, que se auto-intitula o inventor deste referendo). Ora, se eles vão propor a despenalização, e se tu dizes:
"sou a favor da penalização de quem decide arrepender-se de uma relacao sexual consentida que resultou na formacao de um embriao"

...votar "NÃO" é uma má opção, pois não são eles que vão defender o teu ponto de vista. Não sou eu que o digo, mas sim os movimentos e partidos que se auto-intitulam representantes das pessoas que vão votar "Não". Se te sentes representada por esta gente, tu é que sabes, mas quem está a arrogar-se o direito de interpretar "a contrario" a tua vontade não sou eu.

Anónimo disse...

Recomendo vivamente o Blog

http://ktreta.blogspot.com/search/label/aborto

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Ver lá a temática do Aborto...