Posta 795

Desperdiçamos tudo demais.
O tempo escorre-nos pelos dedos e olhamos sempre para a mão errada.
Desperdiçamos tempo, energia e possibilidades.
Andamos perdidos a maior parte do tempo e só nos apercebemos disso quando o tempo já passou.
Trabalhamos para ganhar dinheiro para manter uma vida em que possamos continuar a trabalhar. É mais que um círculo vicioso, é um círculo imbecil.
Diziam-me no outro dia que trabalhar é anti-natura.
Pois é.
E, pior que isso, é normalmente castrador.
O ser humano comum do chamado primeiro mundo (e nem vamos para outras zonas do hemisfério sob risco de desespero) passa em média 8 horas por dia, sete dias por semana a esforçar-se para garantir um só dia de 8 horas de lazer. Vendo as coisas até numa perspectiva mais optimista, estaremos sempre a falar de 40 horas de submissão ao sistema para garantir entre 8 a 16 horas de suposta liberdade individual. 4 para 1, ganha o sistema.
Dirão alguns, claro que é assim, senão toda a sociedade se desmonoraria como um baralho de cartas. Claro que sim, e dou-me por conformado com essa obrigatoriedade.
Mas o que me preocupa não é o finalmente, é o entretanto.
Porque, entretanto, enquanto vamos para casa e nos preparamos para regressar ao emprego, desperdiçamos. Demais.
Ainda recentemente publicava aqui neste blog uma frase belíssima: "A vida não é sobre descobrirmos a nós próprios, é sobre criarmos a nós próprios." Criar. Construir. E cada instante que passa é uma hipótese para essa construção e, na maioria das vezes, na maioria dos casos, é uma hipótese desperdiçada. Ou muito pouco aproveitada.
Perdidos?
Deixem-me ser mais claro, e a melhor forma para isso é recorrer a exemplos.
Exemplo um.
Um conhecido meu diz-me que tem pena de não ter tempo para ler. Passado pouco menos de 15 minutos, diz-me que tem seguido com entusiasmo várias séries televisivas. Acrescenta logo de seguida que, na noite anterior, por falta de programação devida na televisão, foi passear na net e descobriu um site fantástico sobre miúdas em bikini. E aparentemente molhadas. I rest my case.
Exemplo dois.
Como sabem, estou desde há mais de um ano a contribuir com um grupo de comediantes cá na zona, O Sindicato. A ideia é simples: conjugar esforços para permitir que o stand-up ganhe força nos chamados circuitos de bares, ao mesmo tempo que permite a troca de experiência entre comediantes. Á partida, um potencial explosivo. Imaginem o que é juntar os melhores músicos de uma zona e permitir que trabalhem juntos, seria mais ou menos essa a premissa. Resultados? Se é certo que a evolução começa a ser visível, que o grupo tem vindo a ganhar força, também é certo que é nas melhores alturas que a natureza humana mostra as suas falhas. O grupo não atinge um quarto sequer do seu potencial esperado: a cada dois passos para frente eis que surge um para trás, ora por pequenas birras, faíscas de egos (não chegam a ser conflitos), apatias incompreensíveis e ausência de cooperativismo. Por mais que se tente passar a mensagem, poucos são os que percebem que para haver sucesso em grupo tem que haver sacrifício individual. Ou só percebem quando convém. A fórmula que poderia dar início a um dos maiores e mais prolíficos grupo de humor deste país arrasta-se num estado de evolução lenta e mastigada. Até hoje, raras são as vezes em que algum dos elementos puxa pela corda, promove uma ideia ou instiga um encontro para procurar novos caminhos. Pelo contrário - as únicas vezes em que se promove encontros do grupo é para resolver problemas ou aliviar a dor de cotovelo de alguém.
Mas não tomem este exemplo como amargo de boca, porque apesar de o ser, serve apenas como exemplo, e se tivesse que fazer o mesmo em relação à produtora onde trabalho seria certamente um texto semelhante.
É comum à maioria das organizações, este estado de falso conforto e conformismo.
Adiante.
Exemplo três.
Já para não falar do pessoal que mora num raio de 5 km's da minha casa, tenho que vos falar de malta que mora a 300 km. Malta com trabalhei várias vezes em palco e fora dele, com partilhei expectativas e desilusões e que, apenas por uma distância (de merda) se deixa cair num esquecimento. Chateia quando nos apercebemos que deixámos de falar com tanta gente e que a culpa nunca é solteira.

Andamos demasiado entretidos com futilidades, hábitos e círculos viciosos.
Esquecemo-nos com excessiva frequência que na maioria dos casos a única coisa que nos impede de avançar é a ausência dos nossos próprios passos.
Não se enganem: estamos em tempos de mudança. E podemos fazê-la, em todos os campos, em todas as áreas, desde uma insignificante comédia de palco a uma neurobiologia, de um quadro numa parede à economia mundial.
Sabemos que estamos a dar cabo do planeta, fazemos ar de triste e seguimos sem mudar.
Culpamos os outros, sempre os outros.

A mudança, mudança de vida, mudança de mentalidades, mudança de mundo, está onde sempre esteve - na nossa mão. E continuamos a olhar para o umbigo.
É urgente olhar para as nossas próprias mãos e dar-lhes um uso significativo.
Se nos impulsionarmos a nós próprios para a frente, arrastaremos sempre alguém, até arrastarmos o mundo.
Falta-nos impulso.
Falta-nos o desconforto da descoberta.
Estamos convencidos de que estamos a evoluir mas continuamos a ver o mesmo filme, sentados na mesma cadeira.
Falta-nos mudança, sede, fome, garra, pressa.
Falta-nos ter mais medo da morte.
É urgente ler mais. Escrever mais.
É sempre urgente ligar a alguém e dizer lembrei-me de ti.

É urgente criar acção para que haja reacção.

Temos que fazer mais, mais alto, mais forte.
Ler mais livros, ouvir mais músicas, fazer mais amor, correr mais depressa, sorrir mais vezes. Perder o medo de caír no rídiculo, saber que tudo é efémero, compreender que uma hora pode valer um dia, que um dia pode passar como uma hora, mastigar crú, bater no fundo, magoar a pele, ferir as mãos, olhar de frente para o sol, abraçar, beijar, abraçar, empurrar.
Temos que ouvir mais pessoas. Temos que provar coisas diferentes, queimar a língua, dançar à chuva, apanhar constipações, aprender as regras, quebrar as regras, criar as regras, criar novas réguas, tirar novas medidas, construir novas bússolas e perder o norte. Temos que sair do conforto da casca e dar tudo por tudo e saber que vai valer a pena mesmo que não funcione porque não há nada mais saboroso do que dar tudo por tudo.

Temos que sentir mais o medo da possibilidade de errar.
Temos que errar mais. Muito mais.
É a única forma de garantir que estamos a evoluir, a tentar e a descobrir.
É a única forma de garantir que que estamos no bom caminho.

7 comentários:

Miguel Branco disse...

depois de ler isto, estive para te ligar a dizer que me lembrei de ti, mas não tenho saldo no telemóvel.
E tu lembras-te de mim?
Quanto ao resto, tudo muito bonito, mas faltou dizer que temos também de ter a coragem de dizer não, quando dizemos que sim só para não ofender ou magoar.
Ás vezes, leio o que escreves aqui e acho que são recados (alguns para mim), mas depois penso que não tenho um ego assim tão grande e que merecesse um post neste burgo.
Pena que alguns outros, não parem como eu para pensar se podem ser para eles e mudarem um bocadito...
Mas fora isso até logo no MM Café, esse palco onde nunca fui...

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto...muito inspirador...agora vou ver o hi5...lool.
Mas a sério, está muito bem escrito e faz pensar, é daqueles textos que fazem nascer aquela vontade de mudar, pena é geralmente ser efémera, nasce num momento e morre no momento a seguir. Desta vez tudo farei pela sobrevivência da dita...Abraços

Bruno disse...

PLIM!

Anónimo disse...

Ora cá estou.De novo.Gostei.A vida como experiência deve ser sujeita a todos os testes. Testa-te.Quem te observa, será testado, também. Tudo o que escreves aprende-se num olhar que não fala,mas que diz tudo. Quando se muda a hora. Quando se atravessa um corredor de hospital, quando se corre a fugir de uma bala. Por outro lado, quando o sol se põe, quando um bebé nasce, quando se sorri, quando se faz sorrir. Marcar a diferença é não ficar indiferente...a nada.

Portanto, Levanta-te e Ri, caso tenhas problemas queixa-te ao Sindicato, mas nunca esquecendo de que os livros de matemática os têm em muito maior número, no entanto...no fim há sempre solução.

Aquele abraço.

Filipe
O tolhido assumido

Anónimo disse...

és um idealista. mas deixa que te diga. Tas sozinho, meu.

Pi disse...

Espera..











(sei que estás à espera que diga alguma coisa, mas ainda estou a engolir em seco)

Pronto...

Tens razão!
Inspiraste-me...

Anónimo disse...

Este texto é a minha vida.

Passei os ultimos meses a pensar, e a escrever, igualmente as mesmas coisas. E com isto descobri que é muito mais fácil pensar, falar e escrever que actuar.
Queixo-me constantemente de mim própria, quando apenas eu posso mudar a minha vida. Ou seja, resumidamente, só estamos onde estamos, porque assim o queremos. Em parte é verdade (a maior parte), mas em parte não o é.

De cada vez que penso fazer algo em nome da mudança geralmente ela nunca se chega a concretizar, a maioria das vezes por razões altamente racionais e lógicas. E isto, vejo acontecer com a maioria das pessoas em meu redor. Portanto, julgo ser um mal geral.
Mas a males gerais já nós estamos habituados de modo que passamos bem com eles.

Dito isto, este post fez todo o sentido, e continua-se sempre a tentar pela mudança, à espera que realmente um dia, consigamos ultrapassar os nossos próprios obstáculos e realmente concretizar qualquer coisinha...