Pacheco, 1925-2008

Morreu Luiz Pacheco, escritor, crítico literário, fundador da editora Contraponto, libertino com tendência para mulheres jovens demais e criador provocante, filho de uma geração de portugueses que rompiam as amarras do convencional já por feitio e força do hábito.
Depois de Cesariny, é outro dos grandes que se vai. Vi-o recentemente num documentário sobre Herberto Hélder, e a RTP entrevistou-o agora, poucas semanas antes da sua morte, espero poder ver esse documentário em breve. Para quem quiser saber mais sobre o homem, aconselho uma visita ao site oficial-não-oficial "luizpacheco.no.sapo.pt". Por gosto da memória, a (saudosa) revista "K" fez-lhe uma grande entrevista, que o blog d'O Funcionário Cansado reproduz na íntegra. Vale a pena.


Somos gente pura: os mais novos não sabem o que é a promiscuidade, a minha rapariga se vir a palavra escrita deve achá-la muito comprida e custosa de soletrar: pro-mis-cu-i-da-de (pelo método João de Deus, em tipos normandos e cinzentos às risquinhas, até faz mal à vista!). A promiscuidade: eu gosto. Porque me cheira a calor humano, me sobe em gosto de carne à boca, rne penetra e tranquiliza, me lembra - e por que não ?! - coisas muito importantes (para mim, libertino se o permitem) como mamas, barrigas, pele, virilhas, axilas, umbigos como conchas, orelhas e seu tenro trincar, suor, óleos do corpo, trepidações de bicharada. E a confusão dos corpos, quando se devoram presos pelos sexos e as bocas. E as mãos, que agarram e as pernas, que enlaçam. Máquinas que nós somos, máquinas quase perfeitas a bem dizer maravilhosas, inda que frágeis, como não admirar as nossas peças, molas e válvulas e veias, todas elas animadas por um sopro que lhes parece alheio mas sai do seu próprio movimento, do arfar, dos uivos do animal, do desespero do anjo caído.

in "Comunidade", Contraponto - 1964

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